Entre a Solidão e o Abismo: Um Olhar Psicanalítico sobre o Adolescente que Matou a Família
Um jovem mata sua família. O horror toma conta das manchetes. Mas o que se esconde por trás de um ato tão brutal, cometido por alguém em plena adolescência? A psicanálise, mais do que buscar culpados imediatos, convida a olhar para o subterrâneo da alma humana, onde pulsões, traumas e desejos mal elaborados constroem narrativas silenciosas, às vezes fatais.
No caso em questão, o adolescente não agiu sozinho no sentido simbólico. Havia uma presença virtual feminina, uma moça com quem ele conversava e que, segundo relatos, acompanhou — e talvez tenha incentivado — os atos em tempo real. Aqui, o conceito de alienação subjetiva se torna central: o jovem, emocionalmente fragilizado, pode ter projetado nessa figura a única possibilidade de vínculo, de escuta e de afeto. Mas esse vínculo, ao invés de o salvar, o empurrou para o abismo.
Para a psicanálise, o adolescente está atravessando o que chamamos de crise da constituição do Eu, uma etapa em que o sujeito busca uma identidade, um pertencimento, uma posição no mundo. Se não há mediação parental adequada, escuta afetiva ou limites simbólicos, o jovem pode ser dominado pelo princípio do gozo, pelo acting out, pela necessidade de romper com tudo que o reprime — inclusive com a própria família.
O vínculo com a moça que o acompanhava online pode ser visto como uma forma de transferência distorcida, na qual ele deposita suas angústias, inseguranças e ideais. E ela, talvez por perversão ou fragilidade psíquica própria, o acolhe não para ajudá-lo a simbolizar, mas para reafirmar o desejo destrutivo que ali já germinava.
Esse episódio revela o quanto a tecnologia, sem filtro emocional e ético, pode se tornar terreno fértil para manipulações e delírios. Em tempos em que as relações se dão por telas e curtidas, muitos adolescentes, solitários e não ouvidos, constroem vínculos com figuras que ocupam o lugar de supostos "salvadores" — mas que, na verdade, alimentam seus fantasmas.
A psicanálise não justifica o crime, mas nos obriga a perguntar: onde estavam os laços, os limites e os afetos antes do rompimento? Que dor interna pulsava nesse jovem para que o gesto mais radical contra a origem de sua existência — a própria família — se tornasse possível?
A resposta, como sempre na psicanálise, não está no julgamento imediato, mas na escuta. Uma escuta que a sociedade, os adultos e o sistema muitas vezes falham em oferecer.
Sandro César Roberto
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