A Consequência de uma Mentira Infantil: Verdade, Fatores e Reflexões a Partir do Filme A Caça
É comum ouvirmos a frase “criança não mente”, como se a pureza da infância excluísse a possibilidade de distorção da verdade. No entanto, essa é uma visão idealizada e perigosa. Crianças são seres em desenvolvimento, cognitivamente imaturas, influenciáveis pelo ambiente, pela fantasia e por adultos. Elas podem, sim, mentir – não necessariamente por maldade, mas por medo, por desejo de agradar, por confusão ou até para atrair atenção.
A mentira infantil pode gerar consequências devastadoras, principalmente quando não é compreendida em sua complexidade. Um exemplo poderoso disso está no filme A Caça (Jagten, 2012), dirigido por Thomas Vinterberg. A obra retrata a vida de Lucas, um professor acusado injustamente de abuso sexual por uma criança. A pequena mentira, nascida da confusão emocional de uma menina e amplificada pelos adultos, desencadeia um verdadeiro linchamento moral e social. Lucas perde o emprego, os amigos, a dignidade e quase a sanidade, tudo com base em uma acusação sem provas.
O filme não apenas descontrói a ideia de que crianças são incapazes de mentir, mas também escancara o papel da sociedade, da escola e da própria Igreja – que deveria ser espaço de acolhimento e justiça – no fortalecimento de narrativas distorcidas quando envolvem temas sensíveis como pedofilia. A histeria coletiva se sobrepõe à razão, à investigação e ao cuidado com a verdade.
Entre os fatores que podem levar uma criança a mentir estão: medo de punição, tentativa de agradar figuras adultas, dificuldade em distinguir fantasia de realidade, influência de outras pessoas e busca por atenção. Em contextos religiosos ou familiares rígidos, esse comportamento pode ser ainda mais acentuado, pois a criança aprende a manipular sua fala para atender expectativas morais ou evitar repressões.
Derrubar a tese de que "criança não mente" não significa desacreditar suas falas, mas compreendê-las dentro de seu universo emocional e cognitivo. Significa também proteger inocentes de julgamentos precipitados e garantir que, diante de uma acusação, haja escuta qualificada, investigação responsável e justiça equilibrada.
Mentiras infantis precisam ser interpretadas com responsabilidade e olhar clínico. O filme A Caça nos alerta: a verdade pode ser frágil diante do medo coletivo, e os danos de uma mentira mal interpretada podem ser irreversíveis.
Sandro César Roberto
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